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15/11/2018

AS POLÍCIAS NO BRASIL: DO HISTÓRICO DAS POLÍCIAS ESTADUAIS NO BRASIL AOS PROJETOS PARA UMA NOVA REALIDADE

Policiais Militares de São Paulo

A questão da segurança pública tem tomado cada vez mais espaço nas discussões políticas, acadêmicas e cotidianas no Brasil, uma vez que diversos estudos apontam para um crescente número de problemas envolvendo essa área a partir da década de 1990. O primeiro ponto histórico a ser destacado é que a partir de 1985 o país começou a passar por um processo de democratização, passando da brutal ditadura civil-militar iniciada em 1964, para uma nova era democrática tendo como referência a Constituição Federal de 1988. Esta nova Constituição, também chamada de Constituição Cidadã, ampliou significativamente o rol de direitos civis, principalmente os direitos políticos, e além disso, trouxe uma série de diretrizes no rumo da implementação e consolidação de políticas sociais com foco na redução da desigualdade e da pobreza. Entretanto, embora reorientando o ordenamento jurídico e o modo de funcionamento de diversos setores do poder público, na questão da segurança pública, em especial do policiamento, quase nada foi alterado em relação ao status quo destes órgãos de segurança pública e política criminal, sendo apenas definido a suas divisões e competências materiais e territoriais.

A redemocratização nacional em praticamente nada alterou o funcionamento e a cultura das policias, mantendo-se a lógica e boa parte das práticas desenvolvidas e enraizadas desde tempos anteriores a ditadura, e que durante este período ganhou ainda mais força e brutalidade. A polícia, dividida entre uma força com função ostensiva, totalmente militarizada e inserida em uma cultura de ação militar de repressão e ostensividade brutal, chamada de Polícia Militar, e outra, de caráter civil, mas com cultura inquisitória, com função de polícia investigativa e judicial, chamada de Polícia Civil.

Imersas em uma cultura que combina o uso excessivo da força contra determinados grupos sociais e uma lógica de funcionamento burocrática e bacharelesca no âmbito da investigação criminal, a volta à democracia não alterou as estruturas da polícia, tradicionalmente comprometidas com a proteção das elites e do estado e a supressão dos conflitos sociais (AZEVEDO e NASCIMENTO, 2016)

Embora não tenham ocorrido alterações nas policias, é quase consenso que a situação da segurança pública é precária, uma vez que, segundo estudos, a polícia brasileira é uma das que mais mata e mais morre no mundo, tendo uma quantidade muito baixa de resolução de casos, e um crescimento anual nos índices de violência e encarceramentos. Há de se destacar que mesmo com a introdução e consolidação de uma constituição focada em políticas sociais e combate à desigualdade por meio da promoção da igualdade e da educação, quando se tratando do tema da segurança pública, o pensamento majoritário, e por consequência orientador no desenvolvimento e aprovação de políticas públicas dessa área, continua sendo o punitivista, inquisidor e voltado ao sistema penal como primeira ou única alternativa para o enfrentamento dos problemas de segurança, além de ser totalmente voltada para proteção de riquezas e patrimônios, e não a efetiva proteção da vida humana. Deste modo a segurança pública “acaba subsumida às forças policiais e, mesmo após a Constituição de 1988, não consegue ser pensada para além da gestão da atividade policial e da lógica do direito penal” (LIMA, BUENO e MINGARDI, 2015).

O problema da segurança pública no cenário nacional vai além do modo como opera a polícia, já que sua lógica está também enraizada no sistema judiciário, fazendo com que o país seja um dos que mais prende pessoas no mundo, porém não resolvendo ou diminuindo a criminalidade. O sistema prisional brasileiro é inflacionado, porém parece ser homogêneo quanto aos seus detentos, sendo a grande maioria presos provisórios, pela lei de drogas, homens, negros e pobres. A lei pesa duramente para as minorias e camadas mais pobres da sociedade, sendo que a polícia em si tem pouca capacidade investigativa, e a maioria das ocorrências acaba sem solução.

O Brasil é também um dos líderes no ranking das sociedades que mais encarceram no mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos e a China. Ou seja, prendemos muito e prendemos mal. Se aumentássemos a capacidade investigativa de nossas polícias, esclarecendo mais crimes e prendendo os responsáveis por crimes muito graves, como o homicídio, sem detrimento da investigação de outros crimes, certamente o Judiciário teria problemas extras, e seria ainda mais agravado o quadro do sistema prisional, que sofre atualmente com um deficit de 220.057 vagas. Ou seja, se a polícia aumentar as prisões sem repensar a política criminal que retroalimenta a sua prática, o colapso das prisões será ainda mais dramático do que o atualmente apresentado” (LIMA, SINHORETTO e BUENO, 2015).

Não há de se falar em problemas apenas com o investimento nas forças policiais, uma vez que o Brasil tem gastos similares nessa área com diversos países que não sofrem das mazelas da segurança pública como no território nacional. Desde o final dos anos 1990, principalmente após a eleição de Lula em 2002, o governo federal passou a desenvolver uma série de ações e investimentos buscando ajudar e fortalecer as policias nos estados e a segurança pública de modo geral. Nesse período foram feitas pesquisas, levantamentos de dados e gastos com investimentos com a área de segurança, entretanto pouca foi a alteração o estado dos índices de violência, evidenciando que o problema não estaria apenas ligado a investimentos, mas sim na própria estruturação dos sistemas de segurança pública. Neste período também se ampliou a discussão a despeito de uma significativa alteração no modelo policial vigente até então, sendo que se pode colocar com “compilado” das medidas de alteração discutida aquelas contidas na PEC 51 e nos relatórios da Comissão da Verdade.

Policial em País do Caribe


Entre as principais mudanças na politicas criminais e organização das polícias analisadas pela comissão e propostas na PEC, podem-se destacar a necessidade de mudança no paradigma da proteção dos bens materiais sobre a proteção da vida humana, necessitando-se de um foco voltado à promoção da igualdade e respeito da diversidade independentemente da classe social ou da participação ou não em algum grupo chamado de minoria. Além disso, se faz necessário reanalisar o sistema policial, principalmente no que tange a separação de atribuições entre as policiais militares e civis dos estados, sendo proposto pela PEC a desmilitarização da polícia, existindo a união entre polícia civil e militar, ou desvinculação entre elas, existindo uma carreira única, com autonomia, desvinculada das forças armadas e com o trabalho de ciclo completo, ou seja, do ostensivo ao investigativo.

Em linhas gerais, a PEC 51 propõe a flexibilidade para que cada estado defina como irá gerenciar suas estruturas policiais, podendo fundir as duas polícias, mantê-las com ciclo completo ou ainda investir na municipalização do policiamento. Em qualquer caso, ciclo completo, carreira única em cada polícia e estabelecimento de mecanismos de controle são obrigatórios. Estados, municípios e a União teriam seis anos para implantar as mudanças a partir da aprovação da PEC” (AZEVEDO e NASCIMENTO, 2016).


Em conclusão, nota-se que o tema da segurança pública vai muito além do que a simples ampliação dos efetivos polícias e do investimento nas polícias. É necessária uma ampla discussão sobre a modificação no sistema atual de policiamento e de política criminal, que é voltado a proteção de bens materiais e grupos privilegiados da sociedade, atacando diretamente minorias e as camadas mais pobres do contexto nacional atual, sem ter sofrido nenhuma alteração desde o período ditatorial. A transformação no pensamento da política criminal brasileira deve estar voltado para valorização da vida humana, do respeito às diferenças, do desenvolvimento social sustentável e da diminuição das desigualdades. Também deve ser alterado o modelo policial, desvinculando a prática policial da prática militar, devendo a primeira estar ligada a um tratamento humanizado os problemas cotidianos da sociedade. Entretanto, tais mudanças se mostram longínquas, já que no momento a ascensão do pensamento fascista na sociedade e na política nacional, tendendo este para a manutenção e ampliação das praticas discriminatórias e contra grupos minoritários, dentro das policiais e do sistema de segurança pública e política criminal como um todo.

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BIBLIOGRAFIA
LIMA, Renato Sérgio de; BUENO, Samira; MINGARDI, Guaracy. Estado, polícias e segurança pública no Brasil. Rev. direito GV, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 49-85, abr. 2016
LIMA, Renato Sérgio de; SINHORETTO, Jacqueline; BUENO, Samira. A gestão da vida e da segurança pública no Brasil. Soc. estado., Brasília, v. 30, n. 1, p. 123-144, abr. 2015
AZEVEDO, Rodrigo G.; DO NASCIMENTO, Andrea Ana . Desafios da reforma das polícias no Brasil: permanência autoritária e perspectivas de mudança. CIVITAS: REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS (IMPRESSO), v. 16, p. 653-672, 2016.

* Reprodução de trabalho apresentado para cadeira de Segurança Pública. UFRGS 2018/02