Policiais Militares de São Paulo |
A questão da segurança pública tem
tomado cada vez mais espaço nas discussões políticas, acadêmicas
e cotidianas no Brasil, uma vez que diversos estudos apontam para um
crescente número de problemas envolvendo essa área a partir da
década de 1990. O primeiro ponto histórico a ser destacado é que a
partir de 1985 o país começou a passar por um processo de
democratização, passando da brutal ditadura civil-militar iniciada
em 1964, para uma nova era democrática tendo como referência a
Constituição Federal de 1988. Esta nova Constituição, também
chamada de Constituição Cidadã, ampliou significativamente o rol
de direitos civis, principalmente os direitos políticos, e além
disso, trouxe uma série de diretrizes no rumo da implementação e
consolidação de políticas sociais com foco na redução da
desigualdade e da pobreza. Entretanto, embora reorientando o
ordenamento jurídico e o modo de funcionamento de diversos setores
do poder público, na questão da segurança pública, em especial do
policiamento, quase nada foi alterado em relação ao status
quo destes órgãos de segurança
pública e política criminal, sendo apenas definido a suas divisões
e competências materiais e territoriais.
A redemocratização nacional em
praticamente nada alterou o funcionamento e a cultura das policias,
mantendo-se a lógica e boa parte das práticas desenvolvidas e
enraizadas desde tempos anteriores a ditadura, e que durante este
período ganhou ainda mais força e brutalidade. A polícia, dividida
entre uma força com função ostensiva, totalmente militarizada e
inserida em uma cultura de ação militar de repressão e
ostensividade brutal, chamada de Polícia Militar, e outra, de
caráter civil, mas com cultura inquisitória, com função de
polícia investigativa e judicial, chamada de Polícia Civil.
Imersas em uma cultura que combina o uso excessivo da força contra determinados grupos sociais e uma lógica de funcionamento burocrática e bacharelesca no âmbito da investigação criminal, a volta à democracia não alterou as estruturas da polícia, tradicionalmente comprometidas com a proteção das elites e do estado e a supressão dos conflitos sociais (AZEVEDO e NASCIMENTO, 2016)
Embora não tenham ocorrido alterações
nas policias, é quase consenso que a situação da segurança
pública é precária, uma vez que, segundo estudos, a polícia
brasileira é uma das que mais mata e mais morre no mundo, tendo uma
quantidade muito baixa de resolução de casos, e um crescimento
anual nos índices de violência e encarceramentos. Há de se
destacar que mesmo com a introdução e consolidação de uma
constituição focada em políticas sociais e combate à desigualdade
por meio da promoção da igualdade e da educação, quando se
tratando do tema da segurança pública, o pensamento majoritário, e
por consequência orientador no desenvolvimento e aprovação de
políticas públicas dessa área, continua sendo o punitivista,
inquisidor e voltado ao sistema penal como primeira ou única
alternativa para o enfrentamento dos problemas de segurança, além
de ser totalmente voltada para proteção de riquezas e patrimônios,
e não a efetiva proteção da vida humana. Deste modo a segurança
pública “acaba subsumida às forças policiais e, mesmo após a
Constituição de 1988, não consegue ser pensada para além da
gestão da atividade policial e da lógica do direito penal” (LIMA,
BUENO e MINGARDI, 2015).
O problema da segurança pública no
cenário nacional vai além do modo como opera a polícia, já que
sua lógica está também enraizada no sistema judiciário, fazendo
com que o país seja um dos que mais prende pessoas no mundo, porém
não resolvendo ou diminuindo a criminalidade. O sistema prisional
brasileiro é inflacionado, porém parece ser homogêneo quanto aos
seus detentos, sendo a grande maioria presos provisórios, pela lei
de drogas, homens, negros e pobres. A lei pesa duramente para as
minorias e camadas mais pobres da sociedade, sendo que a polícia em
si tem pouca capacidade investigativa, e a maioria das ocorrências
acaba sem solução.
“O Brasil é também um dos líderes no ranking das sociedades que mais encarceram no mundo, perdendo apenas para os Estados Unidos e a China. Ou seja, prendemos muito e prendemos mal. Se aumentássemos a capacidade investigativa de nossas polícias, esclarecendo mais crimes e prendendo os responsáveis por crimes muito graves, como o homicídio, sem detrimento da investigação de outros crimes, certamente o Judiciário teria problemas extras, e seria ainda mais agravado o quadro do sistema prisional, que sofre atualmente com um deficit de 220.057 vagas. Ou seja, se a polícia aumentar as prisões sem repensar a política criminal que retroalimenta a sua prática, o colapso das prisões será ainda mais dramático do que o atualmente apresentado” (LIMA, SINHORETTO e BUENO, 2015).
Não há de se falar em problemas apenas
com o investimento nas forças policiais, uma vez que o Brasil tem
gastos similares nessa área com diversos países que não sofrem das
mazelas da segurança pública como no território nacional. Desde o
final dos anos 1990, principalmente após a eleição de Lula em
2002, o governo federal passou a desenvolver uma série de ações e
investimentos buscando ajudar e fortalecer as policias nos estados e
a segurança pública de modo geral. Nesse período foram feitas
pesquisas, levantamentos de dados e gastos com investimentos com a
área de segurança, entretanto pouca foi a alteração o estado dos
índices de violência, evidenciando que o problema não estaria
apenas ligado a investimentos, mas sim na própria estruturação dos
sistemas de segurança pública. Neste período também se ampliou a
discussão a despeito de uma significativa alteração no modelo
policial vigente até então, sendo que se pode colocar com
“compilado” das medidas de alteração discutida aquelas contidas
na PEC 51 e nos relatórios da Comissão da Verdade.
Policial em País do Caribe |
Entre as principais mudanças na politicas
criminais e organização das polícias analisadas pela comissão e
propostas na PEC, podem-se destacar a necessidade de mudança no
paradigma da proteção dos bens materiais sobre a proteção da vida
humana, necessitando-se de um foco voltado à promoção da igualdade
e respeito da diversidade independentemente da classe social ou da
participação ou não em algum grupo chamado de minoria. Além
disso, se faz necessário reanalisar o sistema policial,
principalmente no que tange a separação de atribuições entre as
policiais militares e civis dos estados, sendo proposto pela PEC a
desmilitarização da polícia, existindo a união entre polícia
civil e militar, ou desvinculação entre elas, existindo uma
carreira única, com autonomia, desvinculada das forças armadas e
com o trabalho de ciclo completo, ou seja, do ostensivo ao
investigativo.
Em linhas gerais, a PEC 51 propõe a flexibilidade para que cada estado defina como irá gerenciar suas estruturas policiais, podendo fundir as duas polícias, mantê-las com ciclo completo ou ainda investir na municipalização do policiamento. Em qualquer caso, ciclo completo, carreira única em cada polícia e estabelecimento de mecanismos de controle são obrigatórios. Estados, municípios e a União teriam seis anos para implantar as mudanças a partir da aprovação da PEC” (AZEVEDO e NASCIMENTO, 2016).
Em conclusão, nota-se que o tema da
segurança pública vai muito além do que a simples ampliação dos
efetivos polícias e do investimento nas polícias. É necessária
uma ampla discussão sobre a modificação no sistema atual de
policiamento e de política criminal, que é voltado a proteção de
bens materiais e grupos privilegiados da sociedade, atacando
diretamente minorias e as camadas mais pobres do contexto nacional
atual, sem ter sofrido nenhuma alteração desde o período
ditatorial. A transformação no pensamento da política criminal
brasileira deve estar voltado para valorização da vida humana, do
respeito às diferenças, do desenvolvimento social sustentável e da
diminuição das desigualdades. Também deve ser alterado o modelo
policial, desvinculando a prática policial da prática militar,
devendo a primeira estar ligada a um tratamento humanizado os
problemas cotidianos da sociedade. Entretanto, tais mudanças se
mostram longínquas, já que no momento a ascensão do pensamento
fascista na sociedade e na política nacional, tendendo este para a
manutenção e ampliação das praticas discriminatórias e contra
grupos minoritários, dentro das policiais e do sistema de segurança
pública e política criminal como um todo.
Campanha PROERD PM - TO |
BIBLIOGRAFIA
LIMA,
Renato Sérgio de; BUENO, Samira; MINGARDI, Guaracy. Estado, polícias
e segurança pública no Brasil. Rev. direito GV, São Paulo, v. 12,
n. 1, p. 49-85, abr. 2016
LIMA,
Renato Sérgio de; SINHORETTO, Jacqueline; BUENO, Samira. A gestão
da vida e da segurança pública no Brasil. Soc. estado., Brasília,
v. 30, n. 1, p. 123-144, abr. 2015
AZEVEDO,
Rodrigo G.; DO NASCIMENTO, Andrea Ana . Desafios da reforma das
polícias no Brasil: permanência autoritária e perspectivas de
mudança. CIVITAS: REVISTA DE CIÊNCIAS SOCIAIS (IMPRESSO), v. 16, p.
653-672, 2016.
* Reprodução de trabalho apresentado para cadeira de Segurança Pública. UFRGS 2018/02
* Reprodução de trabalho apresentado para cadeira de Segurança Pública. UFRGS 2018/02