CRIME
Crime,
segundo a teoria tripartida (corrente doutrinária adotada pela legislação penal
brasileira), é fato típico, ilícito e culpável.
FATO
TÍPICO (TIPICIDADE)
Conduta
humana voluntária dirigida a um fim (dolo ou culpa), resultado, relação de
causalidade (relação entre conduta e resultado) e tipicidade.
Conduta: É
conduta humana voluntária e dirigida a um fim (teoria finalista).
Resultado:
Resultado jurídico ou normativo (ofensa ou perigo de ofensa a bem jurídico
tutelado pelo direito penal) e resultado naturalístico (mudança no mundo dos
fatos, não estando presente em todos os crimes). Os crimes podem ser matérias,
formais e de mera conduta:
I -
Crimes Materiais: Exigem resultado naturalístico;
II -
Crimes Formais: Até é previsto resultado naturalístico, mas exigem apenas o
resultado jurídico para a sua consumação (Exemplo do crime de extorsão);
III -
Crimes de Mera Conduta: O tipo penal não prevê resultado naturalístico,
tratando apenas de resultado apenas jurídico (exemplo dos crimes de ato
libidinoso e injúria).
Iter
Criminis: É o caminho para os crimes, passa pelas fases da cogitação
(mero pensamento, que não pode ser punido), dos atos preparatórios (preparação
para a prática, em regra não é crime, mas excepcionalmente pode constituir
crime autônomo, como por exemplo o por ilegal de arma e a associação
criminosa), dos atos executórios (pela teoria objetiva formal, a execução
inicia-se quando o agente realiza o núcleo do crime, os atos executórios se
iniciam com o início da agressão ao bem jurídico) e a consumação (complementação
de todos os elementos previstos no tipo penal). Alguns autores, de forma
minoritária, incluem a fase do exaurimento como fase do iter criminis, quando o
agente conclui seu objetivo com a prática delituosa.
Tentativa
ou Conactus: É o crime imperfeito ou crime manco, só pode
ser punido quando a lei prever, apenas em casos de crimes dolosos ou culpa
imprópria, ocorre quando é iniciada a execução do crime, mas o mesmo não se
consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. A teoria objetiva é
adotada pela legislação penal brasileira, analisando se houve o efetivo perigo
ao bem jurídico tutelado, fazendo com que a pena da tentativa seja mais branda
em relação à consumação (salvo disposição em contrário, a diminuição é de 1/3 a
2/3 em relação a pena para a consumação, sendo o critério da diminuição a
distância da consumação).
Tentativa
pode ser branca (incruenta) quando não chegou a existir ofensa ao bem jurídica,
ou tentativa vermelha (cruenta) quando existiu ofensa ao bem jurídico, mas não
existiu a consumação.
Tentativa
perfeita, acabada ou crime falho é quando o agente usa todos meios para a
consumação do crime, mas não consegue. Tentativa imperfeita ou inacabada o
agente é interrompido antes da consumação.
Existe
divergência doutrinária sobre a aplicação da tentativa em casos de dolo
eventual. Uma corrente diz que sim, porém a mais aceita identifica a
impossibilidade uma vez que o Art. 14 do CP é direcionado ao dolo direto, que
adota a teoria da vontade enquanto o dolo eventual adota a teoria do
assentimento, não guardando relação com o artigo.
Não
cabe tentativa em crimes culposos (salvo na culpa imprópria), crimes preterdolosos,
crimes unissubsistentes, crimes omissivos próprios ou puros, crimes de perigo
abstrato e nas contravenções penais. A tentativa é aceita em crimes de mera
conduta plurissubsistentes.
Desistência
Voluntária: O agente desiste voluntariamente de prosseguir
com a execução do ato. Não precisa ser espontânea, mas deve ser voluntária e
com eficácia. O desistente não responde pela tentativa, somente pelos atos já
praticados. Exemplo: O agente, aponta a arma com a intenção de matar a vítima,
mas desiste de disparar, respondendo assim apenas pelo crime de ameaça.
Arrependimento
Eficaz: O autor, após a execução, impede voluntariamente e de
forma eficaz que o resultado se consuma. Nesse caso também não irá responder
pela tentativa, apenas pelos atos já praticados. Exemplo: O agente dispara com
arma de fogo na vítima com a intenção de matar, mas se arrepende e leva a mesma
ao hospital onde é socorrida e salva, respondendo assim pelo crime de lesão
corporal.
A
interrupção do ato por terceiro não configura a desistência voluntária e o
arrependimento eficaz por não se tratar de ato voluntário. Exemplo, estuprador,
quando está iniciando o ato, ouve sirene da polícia e foge, responderá pela
tentativa.
Arrependimento
Posterior: Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à
pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou
da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de 1/3 a 2/3. Não
exclui a tipicidade. Se comunica com outros autores. Súmula 554 do STF,
relacionada com o assunto, diz que o pagamento de cheque emitido sem provisão
de fundos, antes da denúncia será fato atípico.
Crime
Impossível: Não se pune a tentativa, quando, por
ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é
impossível consumar-se o crime. É causa de exclusão da tipicidade. Pela teoria
objetiva temperada, adotada pelo Código Penal, os meios devem ser absolutamente
inidôneos para produzir o resultado. Súmula 567 do STJ diz que existência de
câmeras de vigilância não torna o crime de furto impossível.
Sobre
o crime putativo (imaginário) por obra do agente provador, ou crime de ensaio
ou flagrante provocado, a Súmula 145 define que não há crime, quando a
preparação do flagrante pela polícia torna impossível sua consumação (essa
súmula não se aplica em relação aos atos anteriores ao flagrante provocado). O
flagrante provocado não deve ser confundido com o flagrante esperado e ação
controlada, que são formas de atuação policial para esperar o flagrante ou
retardar o mesmo, respectivamente.
Nexo
Causal: É a ligação entre a conduta e o resultado. A legislação
penal brasileira adota a teoria da equivalência dos antecedentes (equivalência
das condições ou conditio sine qua non) que diz que causa é todo fato
humano sem o qual o resultado não teria ocorrido, quando ocorreu e como
ocorreu. Causa é a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
Para evitar a regressão infinita usa-se filtros, sendo o primeiro o dolo ou a
culpa e a teoria da imputação objetiva (só é possível objetivamente imputar a
causa ao resultado pela criação ou aumento de risco não permitido, antes do
dolo ou culpa).
Sobre
as concausas, as mesmas podem ser dependentes ou independente, sendo as
dependentes quando o ato sozinho não seria capaz de causar o resultado, e nas
independentes o ato sozinho já poderia causar o resultado, de forma absoluta ou
relativa.
Tipicidade: Pode
ser vista do ponto de vista formal ou material, só existe tipicidade plena com
a existência das duas formas de tipicidade. Tipicidade formal é a subsunção
perfeita entre a conduta e o fato, com os elementares objetivos e subjetivos exigidos
pelo tipo penal (é o encaixe entre o fato e o que está definido pela lei).
Tipicidade formal é a existência do perigo e ofensa ao bem jurídico que não
seja bagatelar, que tenha capacidade e importância de gerar uma resposta do
direito penal (a ofensa ou ameaça ao bem jurídico protegido pela normal penal
deve ser relevante).
O
jurista argentino Eugênio Raul Zaffaroni traz também o conceito de tipicidade
conglobante, que pressupõe a existência de normais proibitivas e a existência
de preceitos permissivos da conduta em uma mesma ordem jurídica, isto é, quando
existe a tipicidade formal e material mais a ausência de permissão no
ordenamento jurídico, a conduta não pode ser tolerada ou fomentada pela
sociedade (estrito cumprimento de um dever legal e exercício regular de um
direito afastam a tipicidade, e não a ilicitude).
ILICITUDE
Ilicitude
é a contradição existente entre o fato praticado pelo agente e o sistema
jurídico em vigor (quando o fato mesmo típico é ou não ilícito no ordenamento
jurídico). Existem várias causas de exclusão de ilicitude (descriminantes ou
justificantes).
Excludentes de ilicitude
gerais ou genéricas (Art. 23 do CP): |
Excludentes de ilicitudes
especificas: |
Causas Supralegais
(excludentes que não estão tipificadas): |
I – Estado de Necessidade; II – Legitima Defesa; III – Estrito cumprimento de dever legal ou
exercício regular de direito. |
Art.
128, Incisos I e II: Aborto necessário (se não há outro meio de salvar a vida
da gestante) e aborto no caso de gravidez resultante de estupro. |
Consentimento
do ofendido para bens disponíveis (não é possível se falar em consentimento
contra bem indisponível, como a vida, por exemplo). Atenção, quando o crime
exigir a discordância do ofendido, o consentimento será uma excludente de
tipicidade e não de ilicitude. |
Estado
de Necessidade: Considera-se em estado de necessidade quem
pratica o fato para salvar de perigo atual (só perigo atual, se for
iminente no máximo pode existir inexibilidade de conduta diversa), que não
provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito
próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.
Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de evitar o
perigo. Exemplo típico é a tábua de salvação, onde duas pessoas disputam uma
tabua flutuante para se manter com vida durante um naufrágio, porém se quem
sacrifica o outro era um bombeiro, poderá ser condenado após análise da razoabilidade.
Existem
duas teorias sobre o estado de necessidade, a teoria unitária (adotada pelo
Código Penal) e a teoria diferenciadora. Pela teoria unitária, o estado de
necessidade é uma excludente da ilicitude quando o bem sacrificado é de igual
valor o de valor inferior ao bem jurídico preservado, tratando-se, pois, exclusivamente
de um estado de necessidade justificante (como por exemplo vida x vida ou vida
x propriedade). A teoria diferenciadora, por sua vez, apresenta a ideia de estado
de necessidade justificante, mas também a de estado de necessidade exculpante,
quando o bem protegido é de valor inferior ao bem sacrificado, tratando-se de
uma excludente de culpabilidade ou causa de diminuição da pena (única
possibilidade no Código Penal, com diminuição possível de 1/3 a 2/3).
O
estado de necessidade também pode ser agressivo, defensivo, real, putativo ou
reciproco.
Legitima
Defesa: Entende-se em legitima defesa quem, usando moderadamente
dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente,
a direito seu ou de outrem.
A
injusta agressão deve ser proveniente de uma conduta humana, embora um animal
possa ser usado como instrumento por outrem para ela. Também é admitida a
legitima defesa quando a agressão surge de uma omissão (como o preso que foge
após não ser liberado ao fim do cumprimento da sua pena).
A
legitima defesa pode ser sucessiva (quando o agressor passa a ser o agredido
devido ao excesso do primeiro agredido) ou putativa (quando o agente pensa que
está agindo em legitima defesa, mas não está, agindo assim com erro, sendo a
responsabilidade penal condicionada as circunstâncias).
Estrito
Cumprimento do Dever Legal: O agente está cumprindo uma obrigação
imposta pelo ordenamento jurídico (leis, decretos, regulamentos). Tal dever não
pode ser apenas religioso ou moral. Prevalece tanto para funcionário público
quanto para particular. Exemplo de um policial que arromba uma porta para cumprir
um mandato.
Exercício
Regular de um Direito: Ocorre quando o agente exerce de forma
normal um direito, com uma ofensa moderada. São exemplos o lutador profissional
que causa lesões ao adversário e o pai que pune moderadamente os filhos.
Existe
discussão sobre a natureza jurídica das ofendículas (como cerca elétrica e
cacos de vidro nos muros), onde parte defende se tratar de exercício regular de
um direito e outra parte defende se tratar de legitima defesa preordenada.
Excesso
da Excludente de Ilicitude: Toda excludente de ilicitude pode ser
praticada com excesso, sendo punível quando for doloso ou culposo nas hipóteses
onde o fato praticado possibilitar a responsabilização na forma culposa.
CULPABILIDADE
É a
reprovação da conduta exteriorizada, é onde se analisa se o agente teria a
capacidade de agir de outra forma no caso concreto. É um juízo de reprovabilidade.
Leva sempre em conta a figura do próprio agente e não do ser humano médio. Analisa
a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exibilidade de
conduta diversa.
Teorias
da Culpabilidade:
I – Psicológica
(teoria mecanicista): A imputabilidade é um pressuposto, analisa o dolo e a
culpa;
II – Normativa
ou Psicológica Normativa (teoria neokantiana): A imputabilidade é um
pressuposto, analisa o dolo, a culpa e a exibilidade da conduta diversa;
III – Normativa
Pura ou Extremada (Teoria finalista de Hans Welzel): Analisa a
imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exibilidade de conduta
diversa (dolo e culpa passam a ser analisados no fato típico). Descriminante
putativa sempre deve ser vista como erro de proibição, ainda que se trate de
erro baseado em fato;
IV – Teoria
Limitada (Teoria Finalista de Hans Welzel, adotada pelo Código Penal): Analisa
a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exibilidade de
conduta diversa. Descriminante putativa pode ocorrer por erro de fato
(desconhecer situação fática), de direito (desconhecer o conceito jurídico) e
de proibição (desconhece a amplitude do direito).
Erros
sobre Elementos do Tipo: O erro sobre elemento constitutivo do
tipo legal do crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se
previsto em lei. Agente erra sobre a existência do elementar de um tipo penal,
como o caçador que atira em outra pessoa a acreditando estar atirando em um
animal de caça (responderá por homicídio culposo).
Descriminantes
Putativas: É isento de pena quem, por erro plenamente justificado
pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação
legitima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível
como crime culposo.
Erro
sobre a Ilicitude do Fato (Erro de Proibição): O desconhecimento da lei é inescusável. O
erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá
diminuí-la de 1/6 a 1/3. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se
omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas
circunstâncias, ter ou atingir essa consciência. É poder saber se a conduta é
errada ou não, não se tratando de uma valoração técnica do direito (valoração
paralela da esfera do profano).
Imputabilidade: Os inimputáveis
são isentos de penal por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou
retardado, devendo ter essa condição no tempo da ação ou da omissão, sendo
inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determina-se
de acordo com esse entendimento. É aferida quando da ação ou omissão, e, se
posterior, é apenas causa de suspensão do processo. Gera absolvição imprópria
com a aplicação de medida de segurança.
INIMPUTÁVEIS: |
I – Doença Mental: Doença mental que afeta possibilidade
de consciência da ilicitude pelo agente. A paixão patológica é a única hipótese
de inimputabilidade por emoção ou paixão; II – Desenvolvimento Mental Retardado; III – Desenvolvimento Mental Incompleto; IV – Embriaguez Fortuita e Completa: Só é inimputável
a embriaguez fortuita ou por causa maior de forma completa, e caso seja embriaguez
por causa fortuita ou força maior irá reduzir a pena de 1/3 a 2/3. Embriaguez
dolosa ou culposa não afasta a imputabilidade; V – Menores: Menores de 18 anos são
inimputáveis, e estão sujeitos ao ECA. |
São critérios
para aferir a inimputabilidade o biológico (simples existência de doença
mental ou imaturidade), psicológico (possibilidade de entender o caráter
ilícito do fato) ou biopsicológico (existência de doença, imaturidade e consciência
do caráter ilícito do fato, é o critério adotado majoritariamente no Código
Penal, exceto na questão da menoridade, onde é adotado apenas o critério
biológico).
Existe
a situação dos semi-inimputáveis, caso em que a pena pode ser reduzida de 1/3 a
2/3, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por
desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender
o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (não
é uma excludente de culpabilidade).
Potencial
Consciência da Ilicitude: É a valoração paralela da esfera do
profano. É a possibilidade de se saber que uma conduta é errada, não se tratando
de um conhecimento técnico sobre o ordenamento jurídico. A potencial
consciência da ilicitude pode afastar a culpabilidade pelo erro de proibição
inevitável direto (pensava que a conduta era licita) ou indireto (pensava estar
coberto por uma excludente de ilicitude inexistente ou em razão de aumento de
incidência de uma inexistente).
Inexibilidade
de Conduta Diversa: Analise se o individuo poderia ou não agir de
forma diferente. São excludentes de culpabilidade pela inexibilidade de conduta
diversa a coação moral irresistível (se for resistível apenas diminui a pena
como atenuante na segunda fase) e a obediência hierárquica a ordem não
manifestadamente ilegal (em relações de serviço público apenas).
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