20/05/2023

DIREITO PENAL: CRIME

 


CRIME

Crime, segundo a teoria tripartida (corrente doutrinária adotada pela legislação penal brasileira), é fato típico, ilícito e culpável.

 

FATO TÍPICO (TIPICIDADE)

Conduta humana voluntária dirigida a um fim (dolo ou culpa), resultado, relação de causalidade (relação entre conduta e resultado) e tipicidade.

 

Conduta: É conduta humana voluntária e dirigida a um fim (teoria finalista).

 

Resultado: Resultado jurídico ou normativo (ofensa ou perigo de ofensa a bem jurídico tutelado pelo direito penal) e resultado naturalístico (mudança no mundo dos fatos, não estando presente em todos os crimes). Os crimes podem ser matérias, formais e de mera conduta:

 

I - Crimes Materiais: Exigem resultado naturalístico;

 

II - Crimes Formais: Até é previsto resultado naturalístico, mas exigem apenas o resultado jurídico para a sua consumação (Exemplo do crime de extorsão);

 

III - Crimes de Mera Conduta: O tipo penal não prevê resultado naturalístico, tratando apenas de resultado apenas jurídico (exemplo dos crimes de ato libidinoso e injúria).

 

Iter Criminis: É o caminho para os crimes, passa pelas fases da cogitação (mero pensamento, que não pode ser punido), dos atos preparatórios (preparação para a prática, em regra não é crime, mas excepcionalmente pode constituir crime autônomo, como por exemplo o por ilegal de arma e a associação criminosa), dos atos executórios (pela teoria objetiva formal, a execução inicia-se quando o agente realiza o núcleo do crime, os atos executórios se iniciam com o início da agressão ao bem jurídico) e a consumação (complementação de todos os elementos previstos no tipo penal). Alguns autores, de forma minoritária, incluem a fase do exaurimento como fase do iter criminis, quando o agente conclui seu objetivo com a prática delituosa.

 

Tentativa ou Conactus: É o crime imperfeito ou crime manco, só pode ser punido quando a lei prever, apenas em casos de crimes dolosos ou culpa imprópria, ocorre quando é iniciada a execução do crime, mas o mesmo não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. A teoria objetiva é adotada pela legislação penal brasileira, analisando se houve o efetivo perigo ao bem jurídico tutelado, fazendo com que a pena da tentativa seja mais branda em relação à consumação (salvo disposição em contrário, a diminuição é de 1/3 a 2/3 em relação a pena para a consumação, sendo o critério da diminuição a distância da consumação).

 

Tentativa pode ser branca (incruenta) quando não chegou a existir ofensa ao bem jurídica, ou tentativa vermelha (cruenta) quando existiu ofensa ao bem jurídico, mas não existiu a consumação.

 

Tentativa perfeita, acabada ou crime falho é quando o agente usa todos meios para a consumação do crime, mas não consegue. Tentativa imperfeita ou inacabada o agente é interrompido antes da consumação.

 

Existe divergência doutrinária sobre a aplicação da tentativa em casos de dolo eventual. Uma corrente diz que sim, porém a mais aceita identifica a impossibilidade uma vez que o Art. 14 do CP é direcionado ao dolo direto, que adota a teoria da vontade enquanto o dolo eventual adota a teoria do assentimento, não guardando relação com o artigo.

 

Não cabe tentativa em crimes culposos (salvo na culpa imprópria), crimes preterdolosos, crimes unissubsistentes, crimes omissivos próprios ou puros, crimes de perigo abstrato e nas contravenções penais. A tentativa é aceita em crimes de mera conduta plurissubsistentes.

 

Desistência Voluntária: O agente desiste voluntariamente de prosseguir com a execução do ato. Não precisa ser espontânea, mas deve ser voluntária e com eficácia. O desistente não responde pela tentativa, somente pelos atos já praticados. Exemplo: O agente, aponta a arma com a intenção de matar a vítima, mas desiste de disparar, respondendo assim apenas pelo crime de ameaça.

 

Arrependimento Eficaz: O autor, após a execução, impede voluntariamente e de forma eficaz que o resultado se consuma. Nesse caso também não irá responder pela tentativa, apenas pelos atos já praticados. Exemplo: O agente dispara com arma de fogo na vítima com a intenção de matar, mas se arrepende e leva a mesma ao hospital onde é socorrida e salva, respondendo assim pelo crime de lesão corporal.

 

A interrupção do ato por terceiro não configura a desistência voluntária e o arrependimento eficaz por não se tratar de ato voluntário. Exemplo, estuprador, quando está iniciando o ato, ouve sirene da polícia e foge, responderá pela tentativa.

 

Arrependimento Posterior: Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de 1/3 a 2/3. Não exclui a tipicidade. Se comunica com outros autores. Súmula 554 do STF, relacionada com o assunto, diz que o pagamento de cheque emitido sem provisão de fundos, antes da denúncia será fato atípico.

 

Crime Impossível: Não se pune a tentativa, quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime. É causa de exclusão da tipicidade. Pela teoria objetiva temperada, adotada pelo Código Penal, os meios devem ser absolutamente inidôneos para produzir o resultado. Súmula 567 do STJ diz que existência de câmeras de vigilância não torna o crime de furto impossível.

 

Sobre o crime putativo (imaginário) por obra do agente provador, ou crime de ensaio ou flagrante provocado, a Súmula 145 define que não há crime, quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível sua consumação (essa súmula não se aplica em relação aos atos anteriores ao flagrante provocado). O flagrante provocado não deve ser confundido com o flagrante esperado e ação controlada, que são formas de atuação policial para esperar o flagrante ou retardar o mesmo, respectivamente.

 

Nexo Causal: É a ligação entre a conduta e o resultado. A legislação penal brasileira adota a teoria da equivalência dos antecedentes (equivalência das condições ou conditio sine qua non) que diz que causa é todo fato humano sem o qual o resultado não teria ocorrido, quando ocorreu e como ocorreu. Causa é a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Para evitar a regressão infinita usa-se filtros, sendo o primeiro o dolo ou a culpa e a teoria da imputação objetiva (só é possível objetivamente imputar a causa ao resultado pela criação ou aumento de risco não permitido, antes do dolo ou culpa).

 

Sobre as concausas, as mesmas podem ser dependentes ou independente, sendo as dependentes quando o ato sozinho não seria capaz de causar o resultado, e nas independentes o ato sozinho já poderia causar o resultado, de forma absoluta ou relativa.

 

Tipicidade: Pode ser vista do ponto de vista formal ou material, só existe tipicidade plena com a existência das duas formas de tipicidade. Tipicidade formal é a subsunção perfeita entre a conduta e o fato, com os elementares objetivos e subjetivos exigidos pelo tipo penal (é o encaixe entre o fato e o que está definido pela lei). Tipicidade formal é a existência do perigo e ofensa ao bem jurídico que não seja bagatelar, que tenha capacidade e importância de gerar uma resposta do direito penal (a ofensa ou ameaça ao bem jurídico protegido pela normal penal deve ser relevante).

 

O jurista argentino Eugênio Raul Zaffaroni traz também o conceito de tipicidade conglobante, que pressupõe a existência de normais proibitivas e a existência de preceitos permissivos da conduta em uma mesma ordem jurídica, isto é, quando existe a tipicidade formal e material mais a ausência de permissão no ordenamento jurídico, a conduta não pode ser tolerada ou fomentada pela sociedade (estrito cumprimento de um dever legal e exercício regular de um direito afastam a tipicidade, e não a ilicitude).

 

ILICITUDE

Ilicitude é a contradição existente entre o fato praticado pelo agente e o sistema jurídico em vigor (quando o fato mesmo típico é ou não ilícito no ordenamento jurídico). Existem várias causas de exclusão de ilicitude (descriminantes ou justificantes).

 

Excludentes de ilicitude gerais ou genéricas (Art. 23 do CP):

Excludentes de ilicitudes especificas:

Causas Supralegais (excludentes que não estão tipificadas):

I – Estado de Necessidade;

II – Legitima Defesa;

III – Estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito.

Art. 128, Incisos I e II: Aborto necessário (se não há outro meio de salvar a vida da gestante) e aborto no caso de gravidez resultante de estupro.

Consentimento do ofendido para bens disponíveis (não é possível se falar em consentimento contra bem indisponível, como a vida, por exemplo). Atenção, quando o crime exigir a discordância do ofendido, o consentimento será uma excludente de tipicidade e não de ilicitude.

 

Estado de Necessidade: Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual (só perigo atual, se for iminente no máximo pode existir inexibilidade de conduta diversa), que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se. Não pode alegar estado de necessidade quem tinha o dever legal de evitar o perigo. Exemplo típico é a tábua de salvação, onde duas pessoas disputam uma tabua flutuante para se manter com vida durante um naufrágio, porém se quem sacrifica o outro era um bombeiro, poderá ser condenado após análise da razoabilidade.

 

Existem duas teorias sobre o estado de necessidade, a teoria unitária (adotada pelo Código Penal) e a teoria diferenciadora. Pela teoria unitária, o estado de necessidade é uma excludente da ilicitude quando o bem sacrificado é de igual valor o de valor inferior ao bem jurídico preservado, tratando-se, pois, exclusivamente de um estado de necessidade justificante (como por exemplo vida x vida ou vida x propriedade). A teoria diferenciadora, por sua vez, apresenta a ideia de estado de necessidade justificante, mas também a de estado de necessidade exculpante, quando o bem protegido é de valor inferior ao bem sacrificado, tratando-se de uma excludente de culpabilidade ou causa de diminuição da pena (única possibilidade no Código Penal, com diminuição possível de 1/3 a 2/3).

 

O estado de necessidade também pode ser agressivo, defensivo, real, putativo ou reciproco.

 

Legitima Defesa: Entende-se em legitima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.

 

A injusta agressão deve ser proveniente de uma conduta humana, embora um animal possa ser usado como instrumento por outrem para ela. Também é admitida a legitima defesa quando a agressão surge de uma omissão (como o preso que foge após não ser liberado ao fim do cumprimento da sua pena).

 

A legitima defesa pode ser sucessiva (quando o agressor passa a ser o agredido devido ao excesso do primeiro agredido) ou putativa (quando o agente pensa que está agindo em legitima defesa, mas não está, agindo assim com erro, sendo a responsabilidade penal condicionada as circunstâncias).

 

Estrito Cumprimento do Dever Legal: O agente está cumprindo uma obrigação imposta pelo ordenamento jurídico (leis, decretos, regulamentos). Tal dever não pode ser apenas religioso ou moral. Prevalece tanto para funcionário público quanto para particular. Exemplo de um policial que arromba uma porta para cumprir um mandato.

 

Exercício Regular de um Direito: Ocorre quando o agente exerce de forma normal um direito, com uma ofensa moderada. São exemplos o lutador profissional que causa lesões ao adversário e o pai que pune moderadamente os filhos.

 

Existe discussão sobre a natureza jurídica das ofendículas (como cerca elétrica e cacos de vidro nos muros), onde parte defende se tratar de exercício regular de um direito e outra parte defende se tratar de legitima defesa preordenada.

 

Excesso da Excludente de Ilicitude: Toda excludente de ilicitude pode ser praticada com excesso, sendo punível quando for doloso ou culposo nas hipóteses onde o fato praticado possibilitar a responsabilização na forma culposa.

 

CULPABILIDADE

É a reprovação da conduta exteriorizada, é onde se analisa se o agente teria a capacidade de agir de outra forma no caso concreto. É um juízo de reprovabilidade. Leva sempre em conta a figura do próprio agente e não do ser humano médio. Analisa a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exibilidade de conduta diversa.

 

Teorias da Culpabilidade:

I – Psicológica (teoria mecanicista): A imputabilidade é um pressuposto, analisa o dolo e a culpa;

 

II – Normativa ou Psicológica Normativa (teoria neokantiana): A imputabilidade é um pressuposto, analisa o dolo, a culpa e a exibilidade da conduta diversa;

 

III – Normativa Pura ou Extremada (Teoria finalista de Hans Welzel): Analisa a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exibilidade de conduta diversa (dolo e culpa passam a ser analisados no fato típico). Descriminante putativa sempre deve ser vista como erro de proibição, ainda que se trate de erro baseado em fato;

 

IV – Teoria Limitada (Teoria Finalista de Hans Welzel, adotada pelo Código Penal): Analisa a imputabilidade, a potencial consciência da ilicitude e a exibilidade de conduta diversa. Descriminante putativa pode ocorrer por erro de fato (desconhecer situação fática), de direito (desconhecer o conceito jurídico) e de proibição (desconhece a amplitude do direito).

 

Erros sobre Elementos do Tipo: O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal do crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. Agente erra sobre a existência do elementar de um tipo penal, como o caçador que atira em outra pessoa a acreditando estar atirando em um animal de caça (responderá por homicídio culposo).

 

Descriminantes Putativas: É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legitima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

 

Erro sobre a Ilicitude do Fato (Erro de Proibição):  O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de 1/6 a 1/3. Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência. É poder saber se a conduta é errada ou não, não se tratando de uma valoração técnica do direito (valoração paralela da esfera do profano).

 

Imputabilidade: Os inimputáveis são isentos de penal por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, devendo ter essa condição no tempo da ação ou da omissão, sendo inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determina-se de acordo com esse entendimento. É aferida quando da ação ou omissão, e, se posterior, é apenas causa de suspensão do processo. Gera absolvição imprópria com a aplicação de medida de segurança.

INIMPUTÁVEIS:

I – Doença Mental: Doença mental que afeta possibilidade de consciência da ilicitude pelo agente. A paixão patológica é a única hipótese de inimputabilidade por emoção ou paixão;

 

II – Desenvolvimento Mental Retardado;

 

III – Desenvolvimento Mental Incompleto;

 

IV – Embriaguez Fortuita e Completa: Só é inimputável a embriaguez fortuita ou por causa maior de forma completa, e caso seja embriaguez por causa fortuita ou força maior irá reduzir a pena de 1/3 a 2/3. Embriaguez dolosa ou culposa não afasta a imputabilidade;

 

V – Menores: Menores de 18 anos são inimputáveis, e estão sujeitos ao ECA.

 

São critérios para aferir a inimputabilidade o biológico (simples existência de doença mental ou imaturidade), psicológico (possibilidade de entender o caráter ilícito do fato) ou biopsicológico (existência de doença, imaturidade e consciência do caráter ilícito do fato, é o critério adotado majoritariamente no Código Penal, exceto na questão da menoridade, onde é adotado apenas o critério biológico).

 

Existe a situação dos semi-inimputáveis, caso em que a pena pode ser reduzida de 1/3 a 2/3, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (não é uma excludente de culpabilidade).

 

Potencial Consciência da Ilicitude: É a valoração paralela da esfera do profano. É a possibilidade de se saber que uma conduta é errada, não se tratando de um conhecimento técnico sobre o ordenamento jurídico. A potencial consciência da ilicitude pode afastar a culpabilidade pelo erro de proibição inevitável direto (pensava que a conduta era licita) ou indireto (pensava estar coberto por uma excludente de ilicitude inexistente ou em razão de aumento de incidência de uma inexistente).

 

Inexibilidade de Conduta Diversa: Analise se o individuo poderia ou não agir de forma diferente. São excludentes de culpabilidade pela inexibilidade de conduta diversa a coação moral irresistível (se for resistível apenas diminui a pena como atenuante na segunda fase) e a obediência hierárquica a ordem não manifestadamente ilegal (em relações de serviço público apenas).

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